Fazia já muito tempo que não olhava através daquela janela, daquela maneira. Alguns anos talvez e, naquele momento, quando a insônia e a irritante busca por respostas que provavelmente nunca encontrará não o deixavam dormir, andou na direção dela que, durante todos estes anos, sempre esteve por lá, mas nunca mais havia sido encarada daquela maneira.
Olhando para baixo procurou pelos pequenos ipês amarelos, secos e desfolhados, como não poderia ser diferente, protegendo-se do frio daquele inverno, menos frio que muitos dos que já enfrentara naquela casa, mas ainda assim suficientemente gelado para tolher a iniciativa de qualquer broto.
Para para sua surpresa percebeu que aquelas árvores, de pequenas não tinham mais nada. Há muito haviam superado a altura da casa e logo precisariam de uma poda mais severa. Assustado e sem entender muito bem o que ocorrera, levantou os olhos, procurando referências no comprido terreno, do outro lado da rua, onde costumava correr, empinar pipas feitas com esmero e capricho mas, novamente, desconheceu o que vislumbrou. No lugar da alta tuia um sobrado que, poderia jurar, não estava naquele lugar na última vez em que estivera a contemplar a vizinhança.
Quanto tempo faria isso? Dois, três, dez, quinze anos talvez. Como seria possível que seus arredores mudassem tanto assim em tão pouco tempo? Teve vontade de gritar, chamar por socorro, encontrar alguém que pudesse lhe mostrar tudo o que perdera nesses curtos e rápidos anos, mas ninguém lhe ocorreu. Passou, em poucos segundos, por dezenas de pessoas que conhecera nesse período, mas nenhuma delas lhe pareceu adequada o suficiente para a tarefa de lhe contar o que acontecera enquanto estivera correndo, estudando, trabalhando e vivendo. Chegou quase a sentir vertigens, só em pensar que havia perdido tudo o que acontecera, que jamais poderia contar com alguém que lhe confidenciasse o que perdera, por estar ocupado demais, com tempo de menos para o que realmente parecia importar.
Nesse instante, quase que por encanto, firmou a cabeça e, cortando o céu límpido e gelado daquela noite, seus olhos encontraram uma pequena constelação que, como quem não quer nada, pairava sobre sua vizinhança, sua casa e sobretudo, sobre os três grandes ipês amarelos. Sua luz foi imediata, sábia e, sobretudo, muito reconfortante. Depois dela poderia, enfim, dormir em paz.
Um comentário:
Bilac neles, Saito!
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